Comentário sobre Pupo
Pupo resulta uma obra exemplar para abordar algumas das problemáticas que apresenta a produção europeia (1912-1924) de Xul Solar, em particular porque através dela se podem vislumbrar algumas das linhas de interesse que o artista manifestou durante esses anos. Mas também um dos problemas que apresenta é o de sua datação, já que se lhe atribui –1918– se contradisse com alguns aspectos formais e com a assinatura mesma, uma grande “X” pintada no angulo inferior esquerdo. Primeiro, porque as obras que efetivamente foram assinadas por ele nesses anos - Worshiped
Face,
The Wounded Sun e
Angels– todas levam a assinatura “Schul Solar” (1). Depois, porque a primeira vez que ele foi mencionado publicamente com o nome de “Xul” foi no catálogo de sua exposição em Milão em 1920. Sabemos que as pinturas do período europeu foram em sua maioria pós-datadas, em alguns casos, pelo próprio artista e, após o seu falecimento, por sua esposa Micaela Cadenas. Isso determina uma dificuldade já que, muitas vezes, obras que presentam as mesmas características e são formalmente muito próximas entre si levam datas mais ou menos distantes. Este é o caso das três obras mencionadas, as duas primeiras datadas em 1918 e a terceira em 1920 as que, também, ao ter seu titulo em inglês sugerem que foram realizadas durante sua estancia em Londres entre novembro de 1919 e maio de 1920.
Por que resulta importante estabelecer a data da execução de
Pupo? Porque o que a mesma obra propõe em seu claro encontro com a arte africana obriga a restitua-la em términos especiais e temporais. Nesse sentido, resulta problemático pensar nela no contexto de sua produção italiana de 1918 - projetos arquitetônicos, tapize e “decoras”– ainda quando em esse conjunto existam algumas peças como
Frascos y
Flechazo que parecem aludir ao “mundo” africano. Pelo contrario, ao defini-la como realizada durante ou imediatamente depois de sua permanência em Londres, permite incorporar outra dimensão de análise.
Foi precisamente na capital londrinense que em abril de 1920 teve lugar uma exposição de arte africana: cerca de 30 peças que deram lugar a um dos textos chave do período, o do crítico de arte líder do Bloomsbury Group Roger Fry, “Negro Sculpture at the Chelsea Book Club” (2). Uma exposição e um texto que tiveram uma profunda repercussão em figuras como Virginia Woolf y Henry Moore e, sem dúvida, também em Xul. Mas o menos importante a sinalar aqui é que
Pupo pode ser lido como uma tradução em términos plásticos de algumas das afirmações de Fry, quem ao referir-se a escultura, aclarava: “A cabeça é pensada como uma massa com forma de pera. É concebida como um todo único ao que não se chega partindo da máscara como em quase toda a arte primitiva europeia. A máscara mesma é entendida como um plano côncavo separado da que, de outra maneira, seria uma massa perfeitamente unificada” (3).
Y ainda que resulte difícil prova-lo,
Pupo poderia ser pensada como uma reelaboração pictórica da obra da coleção Paul Guillaume, reproduzida sob a epígrafe de “Negro Sculpture” em
Vision and Design. Em este sentido, seu contato com algumas figuras próximas ao Bloomsbury Group é um fato a conter. Xul era amigo de Gabrielle Söene - artista belga que em 1918 foi chamada a participar deste grupo como desenhadora e de quem ele conservou duas aquarelas abstratas, uma delas dedicada “À mon frère Schul”– e de Nina Hamnett, outra jovem próxima ao grupo londrinense.
No entanto, a reflexão a realizar parece ser outra. Em principio, seu interesse pela arte africana - além de seu precoce aproximação a obra dos integrantes de Der Blaue Reiter, suas visitas ao Musée du Trocadéro ou a mesma coleção do British Museum– continuou durante os anos imediatamente posteriores. Em sua biblioteca se encontravam vários livros referidos de uma ou outra forma a África. Entre eles
Negerplastik (1915) e
Afrikanische Plastik (1921) de Carl Einstein adquiridos durante sua estancia em Alemanha (1921-1923). E se alguns, como
Negerplastik, tinham o privilegio de haver sido o primeiro livro dedicado a arte africana, entendida como arte, outros se referiram a forma de vida dos povoados de diferentes regiões, seus costumes e sua literatura. Inclusive, alguns - como o de Emil Zimmermann
Was ist uns Zentralafrika: wirtschafts-und verkehrspolitische Untersuchungen [O que é para nós a África Central? Investigações sobre economia e política de transportes] (1914)– sinala sua ambição por ter uma visão mais integral daquela que era “África” e de compreender qual era o lugar que ocupava em términos de política e economia mundial. Todo isso em tempos do imediato pós-guerra.
É certo também que a atração de Xul por África coincide, por um lado, com a eclosão do que em Paris se conheceu em seu tempo como “a crise negra”. Mas, por outro, essa inquietude deve ser entendida num contexto maior que abarcou a outras culturas não ocidentais como as da Índia, China, Malásia, a Cáucaso, Egito, o mundo islâmico e o pré-colombiano. Uma inquietude que o levou a adquirir livros de viagens, arte e arquitetura, religião, literatura popular, filosofia e cultura.
Este interesse pelo mundo não ocidental é um dato conhecido, mas o que não há sido sinalado é que para quem somente viajou uma vez em sua vida para fora de seu país, a aproximação indicada esteve mediatizada pela visão ocidental, claramente europeia. Europa, e em particular Alemanha, foi o espaço a partir do qual ele se submergiu naquelas culturas, não as entendendo como “exóticas” se não como fonte de novos conhecimentos em una ampliada dimensão.
por Patricia M. Artundo
1— No caso de “Schul” está implicado o processo inicial de fonética e oralidade que levou a “Xul”. Sobre dito processo, cf. Jorge Schwartz, “Sílabas las estrellas compongan: Xul y el neocriollo” em: Xul Solar: visiones y revelaciones, cat. exp. Buenos Aires, Malba-Fundación Costantini/Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2005, p. 36.
2— Roger Fry, “Negro Sculpture at the Chelsea Book Club”, Athenaeum, London, nº 94, 16 de abril de 1920, p. 516, recogido en: Vision and Design. London, Chatto & Windus, 1920, p. 65-68.
3— Ibidem, p. 66. Tradução do editor.
Bibliografía
1988. GRADOWCZYK, Mario et al., Alejandro Xul Solar: 1887-1963. Buenos Aires, Galería Kramer/Anzilotti, reprod. color p. 23.